Ana Paula Maia/ foto Marcelo Correa |
"Quase uma hora depois, Tonho despeja um saco com pedaços gordos da vaca aos pés das mulheres, que precisam disputar com uma matilha de cães famintos que rodeiam o matadouro sempre que o forno do crematório é aceso. Eles agradecem e seguem de volta pela estrada repleta de sequidão e cães raivosos." (pág. 58)
De Gado e Homens, Editora Record 2013 |
O ser humano nasce com características intrínsecas, animalescas mesmo, e apesar de toda a cultura que muitas vezes encobre nossa natureza, continuamos sendo animais. E isso transparece em situações extremas.
De Gados e Homens é um livro sobre a rotina de um matadouro, dos animais e dos homens que lá trabalham, em especial Edgar Wilson. Ele é o protagonista cuja profissão é atordoador, função que consiste em dar uma marretada na cabeça do bicho para que ele siga para a degola. Gados, carneiros, porcos.. tudo se mata desde que gere lucro.
Desde o início fica claro que animais e homens são a mesma coisa. Estão na mesma condição. Muitos dos trabalhadores dormem amontoados no alojamento ao lado do cubículo onde se matam os animais. O teto do alojamento foi danificado e todos dormem ao relento, fazendo do alojamento uma continuação do pasto onde dorme o gado. O cheiro dos dois se mistura.
O lugar é miserável. Os moradores ao redor sofrem com a fome e percebe-se que se os trabalhadores no matadouro são o gado, os moradores são os abutres. Rondam o matadouro para carregar a carne dos animais que não sobrevivem. São atraídos pelo cheiro do crematório assim como os cachorros.
Ana Paula Maia/ foto Marcelo Correa |
"Cumprido seu dever, ele vai para a cozinha do alojamento e frita os hambúrgueres. Com os colegas comem toda a caixa, admirados. Assim, redondo e temperado, nem parece ter sido um boi. Não se pode vislumbrar o horror desmedido que há por trás de algo tão saboroso e delicado." (pág 21)
Para existir uma vida, ela tem que se valer de outras vidas para não morrer. A vida se alimenta da morte. O homem se revela o predador em larga escala. Edgar Wilson, o protagonista, toma consciência disso e sabe que o trabalho que executa é cruel. Mas não há saídas pois o contexto sempre é relevante. Todos ali já são parte de algo muito maior. São peças que formam um todo já constituído.
De Gado e Homens é das melhores coisas que já li. Ana Paula Maia escreve de um jeito cru, rejeitando eufemismos. Suas influências são Dostoiévski, o cinema de Quentin Tarantino, dos irmãos Coen e Sergio Leone e leituras de Filosofia como diálogos de Platão, Schopenhauer e peças teatrais de Nelson Rodrigues.
Fiquei feliz em saber que uma escritora tão talentosa é mulher e negra, coisa rara de se ver no mercado editorial.
Ana Paula Maia/ foto Marcelo Correa |
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