terça-feira, 1 de outubro de 2013

Alemão Não é Uma Língua Agressiva!

Fonte: jameswagner.com



Tenho escutado com muita frequência que o alemão é uma língua agressiva. E sempre por parte de pessoas cujo contato com o idioma não tenha passado de um mero filme sobre a época nazista. Decidi fazer esse post em defesa do idioma, tanto porque o considero muito belo e tanto para esclarecimentos gerais.

Já estudei alemão por tempo suficiente para saber o que há para além da superfície, que é onde se encontra o senso comum, que, tendo opinião rasa sobre esse assunto, nunca alcança o nível da reflexão. A fama que o alemão possui certamente são resquícios da Segunda Guerra. Era uma época em que os discursos hitleristas deveriam demonstrar poder. O próprio Hitler deveria se tornar a personificação do poder. Postura, gestos, entonação. Tudo era milimetricamente calculado com o objetivo de convencer.

Um exemplo do que estou falando:



Inconscientemente, quando se menciona o alemão muitas pessoas ainda se lembram desses discursos bastante austeros. Essas pessoas ouvem o alemão mais ou menos assim:



Para desconstruir a agressividade do alemão, devemos saber que pode-se ser agressivo em qualquer idioma. Basta assumir um tom de seriedade e adotar a entonação correta. Alemães não falam no tom de Hitler. Ninguém diria que essas pessoas estão sendo agressivas:





Mas aí dizem: "e o 'R' alemão? aquele que é pronunciado de forma gutural. tão agressivo!". Engraçado, porque não vejo ninguém falando sobre o 'R' do francês, que se pronuncia da mesma forma. Isso porque o francês já possui outra imagem em nosso imaginário: a de idioma delicado e sofisticado:



Acho que consegui atingir meu objetivo. Não saia falando mal do alemão gratuitamente. Se possível, aprenda a língua. É uma experiência muito divertida. Aí perceberá que o alemão pode ser também uma língua muito delicada. Ainda não se convenceu? Veja só:

Das Liebeslied -Annet Louisan


Du Errinnerst Mich An Liebe


So Lebe Ich -Blumfeld



sexta-feira, 8 de março de 2013

Sobre Feminismo e Publicidade

Nesse Dia Internacional da Mulher, gostaria de fazer um chamado para que mulheres e homens atentem para a causa feminista,a começar pela conscientização, pois paira no imaginário coletivo a idéia de que o feminismo é o outro extremo do machismo, constituindo a dupla banda de nossa visão sexista das coisas. Quem pensa assim não poderia estar mais errado.

Se o machismo é formado na crença de que homens são, de algum modo, superiores às mulheres, o feminismo não é o seu oposto, pois é construído sobre a idéia de igualdade. A ignorância que muitas pessoas nutrem em relação a essas denominações alimenta o machismo na medida em que, quem se diz feminista é prontamente hostilizado -e aqueles que se identificam com o machismo se valem muito dessa ignorância.

Muitas são as conquistas que os movimentos feministas já conseguiram, mas qualquer um que pense um pouco sequer sobre nossa realidade perceberá que ainda não é o suficiente. Um homem, ao sair de casa, não precisa tomar medidas de precaução em relação a como irá se defender se alguém porventura queira estuprá-lo. Um homem não precisa se preocupar em como será julgado pelo tamanho de sua roupa. Uma mulher sim, apesar de que não deveria. Podemos começar a perceber a desigualdade em que nos encontramos ao pensar em casos simples como esse. O feminismo ainda se mostra necessário, pois alguns comportamentos se enraizaram fundo nas mentalidades e não são facilmente arrancados.

Esses comportamentos partem da dificuldade de encarar o outro como semelhante. Seja no passado ou no presente, criam-se as diferenças para podermos excluir aquele que não possui as mesmas características que nós. Na seção 3 de seu livro Observations on the Feeling of the Beautiful and Sublime (1764), Kant define o comportamento de uma mulher, que na visão dele deve se preocupar somente com o que é belo, devendo ela mesma ser bela. É o típico pensamento da mulher enfeite, incapaz de uma racionalidade mais desenvolvida. Por mais incrível que pareça, esse pensamento do sec XVIII ainda existe. Podemos perceber o absurdo na publicidade, a saber:

Campanha da Volkswagen de 2013 para o Dia Internacional da Mulher*:







Há também as campanhas sexistas, que para muitos não possuem problema algum, mas essas pessoas se esquecem de que estão incentivando a determinação de um comportamento através do gênero, o que é muito prejudicial.

Campanha recente dos cadernos Jandaia:





Há também as campanhas que criam um clima de aceitação e normalidade em relação à violência contra a mulher.

Campanha dos preservativos Prudence:




O pessoal da Prudence e o pessoal da Jandaia se retrataram em relação a esses casos, mas fica aquela dúvida: será que não perceberam realmente o absurdo dessas campanhas? Fica a dúvida em relação à índole desses publicitários, que podem muito bem ter feito essas propagandas para ganhar notoriedade e ainda a imagem de benevolência ao se retratarem. Há de se desconfiar.

Acho que ficou claro o teor das lutas feministas e sua importância. O feminismo deveria ser a posição de todo aquele que se diz ético, na medida em que almeja a igualdade. O feminismo faz bem até para os homens, pois tira de seus ombros o peso de ter que se comportar da forma como manda a heteronormatividade machista.

Sendo assim, reforço o chamado para que todos estudem a história de feminismo e adotem essa posição para si. Comecem estudando o dia de hoje, sobre as mulheres que morreram carbonizadas na fábrica enquanto lutavam por direitos.

*Agradeço o site: http://machismochatodecadadia.tumblr.com/post/44721858932/mulheres-praticas-segundo-a-volkswagen#.UTo2bByUT4J , que tirou print da campanha da Volkswagen, pois eles tiraram do ar algumas horas depois.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

De Porta Em Porta (ou da felicidade)

My Neighbour's Blue Door Painting -L L Morgan



Quando eu era mais jovem, batia de porta em porta à procura de algo. Não sabia o que eu buscava. Então, em cada porta eu pedia algo diferente. Um prato de comida, água, açúcar, pimenta, sexo.
Sempre conseguia o que eu pedia, seja pela generosidade das pessoas, seja pela minha enorme capacidade de persuasão.

Todas essas coisas que eu pedia me geravam um prazer imenso. Prazer que se distingue pelo seu imediatismo. Comecei, então, por alguma razão metonímica, eu acho, talvez, tropeçando em vírgulas, a sentir prazer não só nas coisas que eu pedia, como também no próprio pedir. Fiquei viciado no acordo estabelecido entre aquele que suplica e aquele que cede para satisfazer uma necessidade intrínseca de se sentir bem. Eles se sentiam bem às minhas custas, numa relação indecorosa de poder, em que eu era o submisso, o passivo. E como qualquer um que sofre de seus vícios, eu tinha dificuldades com as medidas, sentindo conforto somente na desmedida. A fissura era tão grande, que havia ocasiões em que eu batia à porta de alguém para nada pedir, ou pedir por nada, ou pedir um pouco de nada. Perceba, em cada uma das três situações há diferenças valiosas.

Eu estava fissurado. Se há mesmo distinção entre corpo e alma, creio que havia mesmo uma fissura entre meu corpo e minha alma. Eu estava fissurado. Justamente porque a alma estava vazia, rejeitando toda sorte de adjetivos, e todos os adjetivos de sorte. Eu estava fissurado. Um ser desalmado, não mais animado. Um self-made monster. Eu estava fissurado.

Depois de muito vagar, encontrei umas alegrias por acaso, quando sem saber o que pedir, pedi um abraço. Daqueles bem apertados, em que as almas se unem e os corpos de fundem. Há algo de muito sincero nesses abraços apertados, sofridos, desesperados -eles parecem saber o que implica o conceito de finitude-. Passei a buscar minha migalha de alegria todos os dias, em cada porta, religiosamente.  Mas apesar disso eu não era feliz. A felicidade implica a aceitação das idiossincrasias da alma e não ignorar seus estados melancólicos, introspectivos, nostálgicos e seus sinônimos. A felicidade é democrática, é totalmente tolerante com os estados da alma, ainda que para ser tolerante, tenha que ser intolerante com a intolerância.

Eu era feliz pela metade, com meia alma. Eu era ignorante. Mas felizmente, a ignorância é uma condição natural e social superável. E num arroubo suicida, sem saber o que fazia -pois a ignorância também se mostra ignorante-, ela me fez bater em uma porta e pedir um substantivo um tanto quanto singular: o saber.
Foi uma experiência sem igual. Pela primeira vez, me senti com uma alma, era um ser animado. Finalmente sabia o que era liberdade. Conseguia pensar por mim mesmo, fazer filosofia. E não precisava mais bater de porta em porta. Agora outras pessoas é que batiam em minha porta. E no lugar de dar coisas ou abraços, ou coisas abraços, eu distribuía saber. Assim, quem sabe essas pessoas não começavam a fazer o mesmo, e muito em breve não haveria mais pedintes. E quem sabe não haveria mais portas?

Não, ainda não sou feliz por completo, e começo a achar que essa condição tem um quê de utopia. E estou muito bem com isso. O próprio processo diário de busca do saber já me preenche de tal forma que vira algo muito próximo da felicidade. Assim, finalmente consegui compreender a felicidade dos gregos, a eudaimonia. É o bom espírito, é saber lidar com a finitude nos preenchendo com o saber.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Retrato

Question of Balance -Brenda York


Quero me apoderar do retrato. O retrato guarda aquela parte de nós que desvanece bem devagar, riscando o rosto com navalha do tempo. O retrato não me pertence, tampouco à existência. O retrato pertence àquele conjunto de coisas que ficam entre o ser e o não-ser, flutuando na metafísica.
O retrato não é meu nem se me pertencer. O retrato encerra um paradoxo em si mesmo. Guarda minha juventude, mesmo ele sendo velho. As rugas são maquiadas pela poeira. Melhor do que qualquer pó compacto.
O retrato é causa e efeito da busca eterna pela juventude. Corremos atrás da juventude enquanto ela corre da gente. O retrato é a pedra filosofal dos esteticistas. Num devaneio, arranquei com as unhas a tinta do retrato e passei pelo corpo, principalmente o rosto. O corpo pode ser carga velha, mas desde que o rosto estampe jovialidade ninguém se atreve a emitir juízos de valor.
O retrato pode ser entendido como o medo da morte. Ele fica ali, solitário em cima de um móvel, bem visível e acessível a qualquer hora. Ao encará-lo, revivemos tempos idos. A escolha do "revivemos" não foi ocasional. Reviver é viver de novo. E nesses casos pode ser bem perigoso, por negar essa realidade (na qual morreremos) em detrimento de uma outra, que conserva utopias. E como qualquer utopia, é vazia.
Contra o retrato, pratiquemos a afirmação da essência. Nem jovem, nem velha. As denominações nos colocam em compartimentos. Pratiquemos a essência, nem precisa ficar se perguntando muito qual nome dar: alma, subjetividade, personalidade, ego, tanto faz. Religião, filosofia, psicanálise, cada um tem sua verdade.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Alteridade

René Magritte -Portrait d'Edward James


Ando em busca da minha alma
Ando em busca da subjetividade
Procuro minha identidade
Na vastidão da minha palma

Quanto pesa meu saber?
Quanto custa desconhecer?

Quero um sim e quero um não
Vindos de mim, quero dúvida e negação
Desconheço o conhecimento
Que vem pela afirmação

Quanto pesa minha personalidade?
Quanto custa minha autenticidade?

Ando em busca da minha essência
Será ela concreta ou abstrata?
Será ela pura potência?
Ou tangível, fruto de compreensão imediata?

Quanto pesa minha individualidade?
Quanto custa minha alteridade?

Ando em busca do não-ser
Ando em busca da demência
Ando em busca ausência
Mesmo que eu tenha que morrer

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Texto Sobre o Filme Amour, de Michael Haneke

Amor (Amour) França/Áustria, 12. Direção e roteiro de Michael Haneke. Com Jean Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell, Rita Blanco. 127 min.




O filme Amour perturba por tratar de temas delicados, dentre eles a velhice. A cena inicial é uma senhora morta deitada em uma cama, encontrada por policiais que invadem a casa. Já sabemos de antemão que não é um filme com final feliz. Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Louis Trintignant) são um casal de músicos aposentados que moram em um apartamento em Paris. Os dois, idosos, são muito ligados um ao outro e vivem uma vida confortável -e aparentemente feliz- até que, em um incidente à mesa de café, Anne não reage a estímulos externos. É o início da derrocada dos dois.

Anne pede a Georges que nunca mais a deixe em um hospital, e é peremptória no pedido, levando-o a seguir à risca os desejos da mulher até o fim de sua vida. Ele passa a cuidar dela com extrema diligência, e nesse ponto não há como não lembrar de: "na saúde e na doença, até que a morte os separe". Percebe-se que, nesse casal, um é parte integrante do outro. O que afeta um, afeta o outro de forma simétrica. À medida que o estado físico dela vai se tornando precário, em decorrência de um derrame que paralisa o lado direito de seu corpo, o estado mental dele vai se tornando delicado em igual medida, até que corpo e mente de ambos já são um todo danificado. Ela vai perdendo a vontade de viver aos poucos, enquanto ele enlouquece tentando trazê-la de volta à vida que esvai. Em uma cena, num ato de desespero, ele lhe dá um tapa na cara por ela se recusar a beber a água que ele lhe oferece. Ali ele extravasa todo a angústia recalcada, por não ter com quem conversar -nem com sua filha, personagem secundária, ele pode contar- e por ver a mulher, e a si mesmo, desvanecendo pouco a pouco. Interessante perceber que Hanecke não nos dá motivos suficientes para gostar de Anne. A consequência é que ficamos chocados com o tapa, mas não por partilharmos de algum afeto pela mulher, mas sim por constatarmos o grau de miserabilidade a que chegou a existência dos dois.

Haneke tem formação em psicologia e filosofia e isso transparece em seus filmes. Se em A Fita Branca ele trabalha com a lógica do proibido (link para o texto da filósofa Marcia Tiburi no final), em Amour ele trabalha com a lógica da incomunicabilidade. O filme é repleto de silêncios, seja nas cenas em que não há som, seja nas cenas em que os personagens dialogam mas não há entendimento. O silêncio também implica o isolamento imposto pela velhice, representado pela filha que a princípio não consegue entender os pais -cena em que ela os visita mas só fala de investimentos financeiros-, e pelo músico ex aluno de Anne, que os visita, mas claramente se mantém afastado e temeroso de conhecer mais sobre o estado precário dos dois. Mais tarde, ele lhes envia um CD, que Anne não mais suporta escutar, pois os sons a lembram do passado em que ela era capaz. Ela prefere, assim, o silêncio como forma de se isolar do passado e das pessoas que nele havia.

A loucura de Georges e a debilidade de Anne atingem tal ponto que a vida se torna, para os dois, um fardo muito pesado para se carregar. Ela já não quer mais viver e acaba tragando ele para o mesmo ponto de desistência da vida. Nesse ponto, Georges mata Anne sufocada usando os travesseiros e o peso de seu corpo, corpo que já é fardo pesado, assim como a vida. Ele a mata numa cena que não é sombria, mas repleta de luminosidade. Fica a impressão que era esse o desejo de Anne também, por ser ela já incapaz de tudo, até de por fim á sua própria vida. Não conseguimos nem ficar com raiva de Georges por esse ato. Hanecke nos faz sentir uma empatia por ele que gera uma solidariedade doentia, nos deixando incapazes de um sentimento de revolta. Hanecke entende bem o conceito de catarse aristotélica, nos purificando pela percepção de que somos apensas humanos, sujeitos a pulsões e capazes de atos dos quais não nos orgulharemos.

Um ponto importante do filme é a figura de um pombo. Enquanto Georges luta para trazer Anne de volta à realidade, o pombo aparece e ele o afasta, colocando-o para fora da janela. Mas quase no final do filme, depois que Anne já está morta, o pombo reaparece e ele o aprisiona e faz carinho nele, num gesto claro de aceitação. O pombo cinza, na simbologia, é tido como o negativo, o funesto (coloco um estudo sobre o pombo(a) dentro da simbologia no final). Essa visão se aplica também à morte, que é vista como algo ruim e contagioso. Pode-se entender que Georges, ao abraçar e acariciar a pomba, aceita a morte dele e a da mulher, pois Georges está louco e imagina sua mulher saudável mandando ele se arrumar para que eles saíssem de casa. O processo todo da doença da mulher também foi um processo de doença de Georges. Ele enlouquece. Alguns dirão que Georges na verdade se matou e a cena em que o casal sai de casa, na verdade representa as almas deles, que se reencontram. Esse conceito traz uma conotação muito cristã, confortante demais para que eu possa confiar nele. Hanecke não é famoso por fazer filmes de finais confortantes ou felizes.

Por fim, há a última cena em que a filha do casal entra na casa e senta-se numa cadeira. Algumas pessoas não entenderam por que ela não vai procurar os pais. Ora, essa cena representa o depois de tudo. O corpo da mãe já foi retirado da casa e o pai já está vagando, louco, pelo mundo.


*Texto de Marcia Tiburi sobre o filme A Fita Branca, de Hanecke: http://www.forademim.com.br/site/2012/09/a-fita-branca-de-hanecke-por-marcia-tiburi/
**Texto do estudo sobre o pombo(a) dentro da simbologia: http://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/9843/5680