segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Quarenta Cigarros

After The Thrill Is Gone -Jack Vettriano


Perdi o relógio.
Contava as horas pelos cigarros espalhados no chão.
Três cigarros.
Olho pra mim, contemplo um mundo.
Contemplo o vazio.
Sete cigarros.
A barra do vestido toca o chão.
As lágrimas umedecem os cigarros.
O sorriso seca as lágrimas.
Entre sorrisos e lágrimas a vida mostra seu equilíbrio.
Treze cigarros.
O número me abre pro misticismo da vida.
Quanto dela é destino e quanto dela fui eu que criei?
Dezessete cigarros.
Desisti de pensar.
Só quero estar viva.
Faz um ano que recebi o diagnóstico.
Vinte e três cigarros.
Vivi um ano inteiro com medo.
A cada manhã a mesma pergunta: "será hoje"?
"O hoje, talvez amanhã", dizia a voz interior ao final do dia.
Trinta cigarros.
Hoje acoredei com essa certeza.
Hoje completo o ciclo.
O salto esfola o calcanhar.
Fico descalço.
Trinta e três cigarros.
Fecho a porta.
Fecho a janela.
Não quero luz, não quero som.
Se vou conviver comigo, que seja de uma vez.
Trinta e sete cigarros.
Tiro o vestido.
Quero morrer nua, com o nariz para o céu.
Descruzo os braços como quem aceita a vida (ou o que resta dela).
A respiração falha.
Só queria saber as horas.
Mas abro um sorriso.
Quarenta cigarros.

2 comentários:

  1. "Desisti de pensar, só quero estar viva"

    É como me sinto normalmente Gui. Queria ser inteiro, mas meu pensamento vai na frente, sou sempre um reflexo, uma consequencia dele. Ele me priva de estar vivo...

    Lindo texto meu amigo! Volte a produzir!

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  2. Sofremos da mesma coisa.
    Então vamos criar.
    Nosso remédio é escrever, Saulo!

    Muito obrigado :)

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