quinta-feira, 28 de maio de 2015

Poemas da Andrea Gibson (traduções)

Gosto da Andrea Gibson porque ela faz guerrilha com poemas. Seus escritos são muito generosos e ela declama muito bem. Ela não é muito conhecida por aqui, então decidi fazer algumas traduções. Vou postando aqui no blog.

BLUE BLANKET




Andrea Gibson -Manta Azul
(texto original em inglês aqui)


ainda
há dias
em que não há jeito
nem mesmo uma chance
em que eu arriscaria por um segundo sequer
uma olhada no reflexo do meu corpo no espelho
e ela sabe por quê
assim como eu sei por quê
ela só chora quando sente que está prestes a perder o controle
ela sabe o quanto o controle é válido
sabe o que uma mulher pode perder
quando seu poder de se movimentar
é levado embora
por um punho tão cheio de ódio
que poderia cortar as asas de deus
deixa as próximas oito gerações do seu sangue tremendo (de pavor)
e nessa noite, alguma coisa dentro de mim está se partindo
meu coração batendo tão fundo dentro dos lençóis da dor dela
eu poderia dar cada lágrima que ela chora
um ano-um nome
e um rosto que apagaria para sempre de sua mente se eu pudesse
assim como ela faria
por mim
por você
mas quanto estaríamos mais próximos da liberdade?
se até mesmo alguns de nós esquece
o que mulheres demais nesse mundo não podem
e estou pensando
que diabos você diria pra sua filha
sua filha de algum dia
quando tivesse que segurar seu lindo rosto
para a cara espancada desse lugar
que não aprendeu o significado de "pare"
o que diria pra sua filha
do útero vazio e estuprado
dos olhos fechados de tão inchados
as vísceras assustadas demais pra reter alguma comida
os milhões sobre milhões de corpos
usados e abusados
foram sete minutos do pior tipo de inferno
sete
e ela parou de acreditar em paraíso
a desconfiança se tornou sua lei
teme sua bíblia
a única chance de sobrevivência:
não confie em nenhum deles
tranque as portas de casa
coloque grades de aço nas janelas
caminhando em direção ao carro, sozinha
coloque as chaves na fechadura
por favor por favor por favor abre
como se já pudesse sentir
o laço de cinco dedos em volta de seu pescoço
noventa quilos de aversão
cavando túmulos no solo sagrado da sua carne
por favor por favor por favor por favor abre
você já está sufocando, lutando pra respirar
escutando o falho áudio da defesa
responda à pergunta
responda à pergunta
responda à pergunta senhorita
por que estou num julgamento por isso?
você falaria com sua filha, com sua irmã, com sua mãe desse jeito?
eu sou gerações de filhas, irmãs, mães
nossos corpos, campos de batalhas
território de guerras
sob as armas nas mãos de seus irmãos
você sabia que encontraram campos minados
na alma de mulheres deprimidas?
buracos negros em partes de seus corações
que uma vez cantaram sinfonias de criação 
luminosas como a luz na auréola do infinito
ela diz
eu lembro como o amor
costumava brilhar como luz na minha pele
antes de ele forçar sua entrada
agora todo toque parece pecado
que poderia crucificar medusa, kali, oxum, maria
me enterre em uma manta azul
para que o deus deles não saiba que sou uma garota
corte meus cachos
quero paz quando eu morrer
sua amiga bate à porta
já se passaram três semanas
você não acha que já é hora de sair da cama?
não
o ventilador de teto ainda lembra a respiração dele
acho que só preciso de mais alguns dias de descanso
por favor
feridas em seu joelho de tanto rezar pra esquecer
ela ouviu histórias de veteranos do vietnam
que ainda podem sentir formigar seus membros amputados
ela se pergunta quantas mulheres estão caminhando por esse mundo
sentindo formigar suas asas amputadas
se lembrando de como era voar
de como era cantar
hoje à noite ela não está se perguntando
o que ela contaria pra sua própria filha
ela a perguntaria
em quais deuses você acredita
eu construirei um templo de espelhos pra que você possa vê-los!
pegue a estrela mais brilhante com que você sonhou
vou te mostrar a luz em você
que fez esse sonho virar realidade!
hoje à noite ela não está te perguntando
o que você diria pra sua filha
ela é a vida nas profundezas do inferno -a chacina
já morreu milhões de mortes
com cada respiração insegura
milhões de túmulos em cada poro de sua carne
e ela sabe que a guerra não terminou
sabe que há mais sangue por vir
sabe que está longe da única mulher ou garotinha
confiando nesse mundo não mais do que as mãos
confiam em arames farpados enferrujados
ela era inteira antes daquela noite
acreditava em paraíso antes daquela noite
e ela não é a única
ela sabe que não será a única
ela não está perguntando o que você vai dizer pra sua filha
ela está perguntando o que você vai ensinar pro seu filho.







I DO




I Do -Eu Aceito

ba bi di ba ba bi di ba ba ba bi ba bi di ba
ba dang a dang dang a dingy dong ding
Eu aceito eu aceito eu aceito
dip da dip da dip
Eu aceito eu aceito
dip da dip da dup
ba bi di ba ba bi di ba ba ba bi ba bi di ba
ba dang a dang dang a dingy dong ding

Eu aceito......

Mas os idiotas dizem que não podemos

Porque você é uma garota
e eu sou uma garota... ou pelo menos algo parecido
então o melhor que podemos esperar
é uma união civil em Vermont
e eu quero sinos de Igreja.
Eu quero rosários.
Eu quero Jesus de joelhos.
Quero andar pelo corredor da Igreja
sentindo o patriarcado sorrir.

Isso não é verdade.

Mas eu quero sim
passar minha vida com você.
E eu quero saber que daqui a 50 anos,
quando você estiver num quarto de hospital se preparando pra morrer,
quando o horário de visitas for só para membros da família,
Eu quero saber que vão me deixar entrar
para dizer adeus.

Porque passei cinquenta anos
memorizando a maneira como as linhas abaixo dos seus olhos
formam rios quando você chora,
E eu mantive minha mão como um oceano no seu queixo
dizendo "Meu bem, pode fluir pra mim..."
porque por cinquenta anos eu assisti você crescer comigo.

Cinquenta anos e você nunca se desapegando de mim
através dos sonhos e dos pesadelos
e tudo o que vem entre eles,
desde o dia em que eu disse "Me compra um anel,
me compra um anel e eu tornarei meu dedo verde
para que eu possa imaginar que nosso amor é uma floresta.
Eu quero me perder em você."

E eu juro que cresci como uma flor silvestre
A cada hora desses cinquenta anos que passei com você.
E isso não é dize que não tivemos dias ruins.
Como no dia em que você disse "Aquela moça do caixa foi tão gentil."
E eu disse "Eu queria COMER aquela moça do caixa."
E você disse "Meu bem, isso não foi engraçado."
E eu disse "Meu bem, talvez você deveria aceitar uma merdinha de uma piada
de vez em quando."

Então naquela noite eu dormi no sofá.

Mas quando amanheceu você estava sorrindo.
Sim, houve épocas de altos e baixos pra nós
Mas eu nunca precisei de nada mais que as estrelas na sua pele
para me guiarem para casa.
Por cinquenta anos você foi meu poema favorito.
E eu te lia toda noite
sabendo que talvez eu nunca entenderia todas as palavras
Mas estava tudo bem porque suas linhas
foram a coisa mais próxima do sagrado que já ouvi.
Você disse "Esse tipo de amor tem que ser verbo.
Estamos pintadas em lona escorregadia.
Vai precisar muito para fixar,
Mas se isso acontecer, seremos uma obra de arte."

E nós fomos.

Desde o começo vivendo em cidades
que franziam as sobrancelhas para nossas mão dadas,
e nós dobrando seus olhares como notas de ódio dentro de nossos bolsos
para que pudéssemos fingir que eles não estavam ali.
Você disse "  'Temer' é só um verbo se você permitir que assim ele seja.
Não ouse largar a minha mão."
Essa foi a minha fala favorita.

E no dia em que vimos dois caras se beijando
numa rua no Kansas,
E nós disparamos a chorar,
porque era no Kansas e você disse,
"Quais as chances de ver
algo além de plantações de milho no Kansas?!"

Nós nascemos de novo naquele dia.
Eu cortei seu cordão e você cortou o meu,
E os acordes do tempo tocaram esperanças,
como se pudéssemos sentir desafrouxar o laço do ódio.
Desafrouxando anos de "pessoas como vocês não são bem-vindas aqui.
Pessoas como vocês não podem trabalhar aqui.
Pessoas como vocês não podem adotar".
Então nós tivemos muitos gatos e cachorros
e uma vez até um casal de macacos
e você ensinou a cantar "hey, hey, we're the monkeys"
Você era doidinha desse jeito.
E eu era doida por você.

Nas noites em que você não conseguia dormir
eu ficava acordada por horas contando carneirinhos pra você
E você reescrevia o ritmo do meu coração
com seu jeito de me abraçar pela manhã,
descansando sua cabeça em meu peito,
e eu juro que meu hálito se tornou cinza no dia em que seu cabelo assim ficou,
como eu juro que cresceram flores em minhas pálpebras
na primeira vez que te vi
e elas floresceram na primeira vez em que te vi dançar
na nossa sala ao som da chaleira na cozinha.

Num mundo que poderia ter nos endurecido feito metal,
nós amolecemos juntas feito nostalgia.
Por cinquenta anos nós emplumamos asas grandes demais para serem atacadas
E voamos por dias fortes ou frágeis como castelos de areia
Lá no alto.
E você dobou seu amor num vaga-lume de origami
E o jogou em meus caminhos até que meus cantos mais escondidos
estavam repletos de lanternas
Agora cada poro, cada porta do meu coração está aberta por sua causa.
Por nossa causa.

Então eu aceito, aceito, eu aceito.
Quero estar naquele quarto com você.
Quando o horário de visitas for somente para membros da família,
quero saber que me deixarão entrar.
Quero saber que vão deixar você me abraçar
enquanto eu canto:

ba bi di ba ba bi di ba ba ba bi ba bi di ba
ba dang a dang dang a dingy dong ding

Estou tão apaixonada
Meu bem, estou tão apaixonada por você

ba bi di ba ba bi di ba ba ba bi ba bi di ba
ba dang a dang dang a dingy dong ding

Adeus.

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