sábado, 19 de dezembro de 2015

O homem é um animal político -comentando o De Gado e Homens, de Ana Paula Maia


Ana Paula Maia/ foto Marcelo Correa


"Quase uma hora depois, Tonho despeja um saco com pedaços gordos da vaca aos pés das mulheres, que precisam disputar com uma matilha de cães famintos que rodeiam o matadouro sempre que o forno do crematório é aceso. Eles agradecem e seguem de volta pela estrada repleta de sequidão e cães raivosos." (pág. 58)

De Gado e Homens, Editora Record 2013


O ser humano nasce com características intrínsecas, animalescas mesmo, e apesar de toda a cultura que muitas vezes encobre nossa natureza, continuamos sendo animais. E isso transparece em situações extremas.

De Gados e Homens é um livro sobre a rotina de um matadouro, dos animais e dos homens que lá trabalham, em especial Edgar Wilson. Ele é o protagonista cuja profissão é atordoador, função que consiste em dar uma marretada na cabeça do bicho para que ele siga para a degola. Gados, carneiros, porcos.. tudo se mata desde que gere lucro.

Desde o início fica claro que animais e homens são a mesma coisa. Estão na mesma condição. Muitos dos trabalhadores dormem amontoados no alojamento ao lado do cubículo onde se matam os animais. O teto do alojamento foi danificado e todos dormem ao relento, fazendo do alojamento uma continuação do pasto onde dorme o gado. O cheiro dos dois se mistura.

O lugar é miserável. Os moradores ao redor sofrem com a fome e percebe-se que se os trabalhadores no matadouro são o gado, os moradores são os abutres. Rondam o matadouro para carregar a carne dos animais que não sobrevivem. São atraídos pelo cheiro do crematório assim como os cachorros.



Ana Paula Maia/ foto Marcelo Correa

"Cumprido seu dever, ele vai para a cozinha do alojamento e frita os hambúrgueres. Com os colegas comem toda a caixa, admirados. Assim, redondo e temperado, nem parece ter sido um boi. Não se pode vislumbrar o horror desmedido que há por trás de algo tão saboroso e delicado." (pág 21)

Para existir uma vida, ela tem que se valer de outras vidas para não morrer. A vida se alimenta da morte. O homem se revela o predador em larga escala. Edgar Wilson, o protagonista, toma consciência disso e sabe que o trabalho que executa é cruel. Mas não há saídas pois o contexto sempre é relevante. Todos ali já são parte de algo muito maior. São peças que formam um todo já constituído.

De Gado e Homens é das melhores coisas que já li. Ana Paula Maia escreve de um jeito cru, rejeitando eufemismos. Suas influências são Dostoiévski, o cinema de Quentin Tarantino, dos irmãos Coen e Sergio Leone e leituras de Filosofia como diálogos de Platão, Schopenhauer e peças teatrais de Nelson Rodrigues.

Fiquei feliz em saber que uma escritora tão talentosa é mulher e negra, coisa rara de se ver no mercado editorial. 

Ana Paula Maia/ foto Marcelo Correa

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