sexta-feira, 20 de julho de 2012

Assim Me Amou Zaratustra


Edvard Munch -Friedrich Nietzsche

Fui violentado. Abusei de mim mesmo.
Depreciei o corpo, e me esqueci de que a boca também é corpo. E em meio à cegueira desse equívoco, as palavras foram me entrando lentamente.
O adjetivo foi substantivado para ganhar forma, e o verbo ditava a ação. Eu estava cego, e sentia tudo. Pelo tato exacerbado, senti as palavras penetrarem cada poro do corpo dolorosamente. Desacordei.
Meu corpo sangrento foi carregado por Zaratustra. Ele nos levou para o alto da montanha, para dentro da caverna. Perguntei a ele onde ele estava quando tudo aconteceu. Por que não me protegeu? Por que me abandonastes? Ele me respondeu que a profanação do corpo é irrelevante contanto que a alma esteja intacta. Achei aquilo tudo muito estranho. Alma é um termo muito cristão para um mundo onde Deus está morto. Prefiro a poética que nos preenche o corpo metafísico, nos fazendo equilibristas.
No entanto, indaguei a ele se a alma não estaria corrompida depois do que fiz com meu corpo. Respondeu que a carga moral que eu carregava era muito pesada, mas eu aguentaria. Era hora da metamorfose: camelo para leão. Era hora de buscar minha liberdade pela transvaloração.
Ele pediu que eu não limpasse o sangue. O simbolismo se apagaria. Novos valores não são criados impunemente. Caí de joelhos e pedi perdão, num impulso que lembrava a postura servil que me assombrava no passado. Zaratustra me deu a mão, me abraçou e sussurrou em meu ouvido que não havia o que temer. Saímos da caverna nitzscheana, não da caverna platônica, ele disse.
Entendi que Zaratustra era um sábio. Enquanto os fracos caíam um a um, ele passava incólume pela corda. Equilibrista que era. O homem é uma corda, atada entre o animal e o super-homem -uma corda sobre o abismo, assim ele me disse. E o que o mantinha equilibrado era a minha imagem no final do trajeto.
Assim me amou Zaratustra.

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